Hoje disseram-me: "eramos miúdos, ainda somos." - e eu levei isto mesmo a sério. Pareceu-me que estas palavras formaram a frase mais sábia de todos os tempos, sem espaço para Aristóteles ou Platão.
Afinal vivemos todos nessa fronteira entre os adultos e as crianças, sem sabermos bem o que somos, encarnando a pele ora de crescido ora de pequeno, conforme nos apetece. Na verdade crescemos muito, mas acabamos por ficar crianças na mesma. Continuamos a rir de coisas parvas, convencidos de que mete piada, numa espécie de emancipação involuntária. Parece-nos tanto doze anos, treze, alguns quinze ou dezasseis... Mas no final somos as mesmas crianças que há treze anos jogavam à mosca e à apanhada, e tinham o cabelo à tijela, cortavam o lábio na caixa de areia, e escreviam "merda" na parede de trás da escola com spray amarelo fluorescente. Somos o mesmo grupo que aprendeu a dizer "foda-se" a caminho da aula de ginástica, o das eastpacks às cores que proporcionavam sessões fotografia estúpidas nos bancos de pedra da escola dos grandes. Os do território onde havia cadáveres dos nossos antepassados, os dos "I love you" a corrector na parede do pavilhão da escola, do jogo tradicional desenhado a tinta no pátio da escola. Os das grandes festas no velho barracão de sempre, ou na mesma casa do lado de sempre, os da piscina às 2 da manhã, os incendiários de cozinhas. Os do primeiro golo de cerveja fotografado, do primeiro golo de sangria, dos jantares de anos num cubiculo absurdo, os da AE que oferecem lápis de pau; somos os parvos dos cigarros ao pé da cantina, os dos primeiros bafos juntos. Somos do tempo em que um maço de tabaco chegava para oito pessoas durante uma noite, das dormidas em massa nas Galveias. Há muito tempo atrás fomos os que saltavam o campo da bola antigo com medo de cães; os dos lanches, dos almoços, das dormidas e dos banhos na casa uns dos outros. Somos os primeiros amores uns dos outros, em todos os sentidos que alguém pode imaginar.
Hoje, nem sempre juntos, com gente a sair e a entrar, os laços perduram, tal como as recordações de uma vida e de uma infância feliz, que afinal ainda não acabou. Quase em cada canto do país há um bocadinho de nós, nada deixado ao acaso, para que Portugal tenha sempre presente o espírito daquilo que éramos e vamos ser sempre, independetemente de tudo.
Um dia, amigos, quando vos encontrar casados e com filhos, divorciados, viúvos ou solteiros, vamos abrir os braços e ser o porto seguro que sempre fomos uns para os outros. E eu acredito que o destino da nossa hora de almoço, ou das tardes de baldas às aulas, o destino da sueca e da lerpa, vai estar aberto para nós, com o dono já velhote e nós cheios de dores nos músculos. Sempre a cuidar uns dos outros e a rir de coisas sem graça nenhuma, crianças.
3 comentários:
E' bem verdade isso! Gostei, bem escrito! *
Sabes bem o que este texto significa. Está lindo :) *
Exactamente assim.
jinho
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