Estás na música, nas luzes, nos quadros pendurados nas paredes, nas mesas e nas cadeiras. Estás nos lugares mais hediondos, no pormenor mais sórdido, estás-me na cabeça e na alma. És o meu passado inquieto, despojado de rancores ainda que assim não pareça. Embrulhado da garganta ao estômago: estás tu.
E eu estou sozinha. Nesta sala ruidosamente silenciosa, caóticamente arrumada, com mesas de trás para a frente e pessoas da porta até ao fundo. Só há uma coisa que me acalma neste ambiente revolto: a tua presença. E olhar para o quadro onde estão duas pessoas aos gritos uma para a outra, de frente, que parecem concordar comigo em relação à necessidade extrema de berrar até doer os pulmões, até as cordas vocais deixarem de emitir sons, de que tom for. E a experiência ocasional de passares por mim num suposto despropósito, para esse cheiro me invadir tumultuosamente o corpo, e eu sentir-me flutuar, se fechar os olhos, num desatino inócuo de pensamentos, raramentes testados na prática.
Detesto ter de dizê-lo mas o apogeu platónico de todas as minhas noites neste sítio são os pequenos fragmentos de ti que me chegam, ainda que aos pedaços ou atrapalhados nos precalços da distância que nos separa. E depois no fim há sempre esse sentimento latente que vai comigo para casa, independetemente do nosso caminho ser exactamente o contrário.
1 comentário:
Belo texto!
Bj
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