Tal como eu parece que também a Terra decidiu desanuviar. Depois de dias e dias constantes de sol ardente, ar irrespirável, uma atmosfera carregada, chuveu laboriosamente durante a tarde, como um desabafo divino. Abri a persiana com medo que alguém ouvisse, a janela de par em par, e sentei-me a medo no parapeito da varanda. Como precaução levei uma manta comigo, qual o meu espanto quando reparo que voltámos à velha brisa, leve, suada, agradavelmente fugaz. Tenho a alma perturbada, consequência de um pensar incessante, rios de emoções que se cruzam a desaguar no mesmo mar, formando um estuário confuso, onde procurar significa uma agulha num palheiro; e eu sem vontade de me fazer à vida, preguiçosa, a deixá-las baralharem-se ainda mais.
Também preciso de descansar de tudo isto, mas as nuvens da minha cabeça quanto mais pesadas menos descarregam. Estou a entrar no culminar de muita coisa, que não sei onde vão parar. Chorar não sou capaz. Sou fria e directa demais para isso, mas preciso. Como escreveu Luís Soares no seu Regresso a Barcelona, fecho os olhos e nem assim encontro as lágrimas; deixo-me cair para o lado, sinto o aroma intenso das madeixas de cabelo que me caem sobre a cara, e sou só um corpo inerte, na posição fetal, sem qualquer consolo, num quarto vazio a cheirar a tabaco.
1 comentário:
Texto lindo...excepto o cheiro a tabaco.
bj
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