A minha surpresa foi um toque na campainha, o teu toque. Uma voz arrastada no interlocutor, o som irritante da porta a abrir, pesada, lá em baixo. Um elevador a subir assustadoramente, e a ausência de palavras. Assustei-me também com a falta de um sentimento positivo, de pertença ou aconchego, ou qualquer coisa do género. Só uma assombrosa sensação de vazio, de indiferença perante o homem que mais me amava na vida e que dava tudo por um sorriso meu, só que fosse. O chegares sem dizer nada, a brutalidade da investida contra mim, os braços fortes à minha volta. Custou. A redenção a que me permiti, e a dedicação com que me possuíste, mesmo com o alheamento espelhado no meus olhos. Divaguei durante todos os minutos, os segundos daquela noite. Sem me esforçar por mais, sem me preocupar que notasses. Custou. Deitar-me nos lençóis sujos de prazer, molhados de paixão, amarelos de fumo e sexo. Um corpo cansado ao meu lado, do tanto que me amar lhe exige. Um intruso na cama, era assim que eu te sentia. E eu apática, inexpressiva, tão vazia e oca. Perdida nas ilusões do costume, de passado atado ao pescoço, com o nó cada vez mais apertado na garganta. Senti-me sem salvação, quase conformada com aquilo em que me tornei. Pus os olhos no tecto, na tentativa falhada de encontrar alguma saída familiar, mas nem isso me consolou. Durante tantos amantes os tectos sempre foram o meu ponto de fuga, a minha paz de alma. A consciência limpa, arrisco. Aprendi rápido as manhas falsas do prazer, só para não ficar sem nada, mas aquilo que eu realmente sempre quis, foi o meu amante verdadeiro. O único que me fez chorar no seu ombro, que me passou a mão na cabeça nas alturas mais difíceis. Aquele que me possuía na integra, que fazia antecipadamente o que eu só viria a pensar momentos depois. O que me lia os olhos, o nariz, a boca. Aquele a quem eu me dei plena, sem dúvidas e arremessos sem razão de ser. Quem eu nunca questionei, por uma vez que fosse, nem quando tinha motivos para isso. O homem que me teve de sempre, e para sempre, impotente nos braços, frágil no coração, cega nos olhos. Ofuscante nas fotografias, verdadeiramente rendida, perdida em afectos mil. É esse que eu não tenho, que eu perdi de tanto amar. Todos os outros são tentativas mal sucedidas de substituição, falsos alarmes de paixão, quedas desamparadas no chão. São memórias que não guardo uma vida inteira dentro de caixas, de placards, papéis, por entre cheiros e lugares. São só vidas humanas que vagueiam, pouco tempo, na minha vida.
3 comentários:
GOD, está lindo :|
Adorei o texto :)
Continua assim :D *
Olá, amiga!
Passei para ler
e deixar
beijoca.
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