24 de outubro de 2014

Não me deixes ir.

Vim dizer-te em que pé é que estamos. Portas fechadas, vidros baços, chão frio, paredes brancas. Mal nos aguentamos à tona, mais coisa menos coisa afogamo-nos e tu aí nessa apatia. Tu não queres saber, ignoras as minhas chamadas de atenção exasperadas, ficas especado enquanto o abismo se abre entre nós. Esqueces a minha boca húmida a beijar recantos aleatórios da tua cara, do teu pescoço, da tua nuca. As minhas mãos dançam freneticamente na tua direcção e uma sombra negra afasta-me do teu corpo, e tu sem te mexeres um milímetro. Ficas assim, inerte, a achar que sou eu que tenho de alcançar-te e não o contrário. Vives na completa certeza de ainda me teres e isso é o suficiente para saberes que não precisas avançar um passo para mim - eu vou irremediavelmente ao teu encontro. Os meus braços deslaçam-se do teu corpo e tu em coma, a senti-los partir, mas sem força para os amarrares de novo à tua cintura. E eu, eu sem coragem e sem força para espantar o negrume que nos envolve e nos separa. Julgas que é eterno o meu amor por ti, não vês a efemeridade intrínseca a esta batalha que travo, inglória e sozinha, sem os teus braços à volta dos meus ombros.
Esqueces camas, meias-luzes, todos os minutos em que éramos espíritos tão livres que o simples peso dos lençóis onde nos amávamos era demasiado. Esqueces o mundo que nos viu nascer e partes para outro em que eu sou só uma miragem agradável, mas onde não caibo inteira. És um cobarde.



Palácio de Pombal, Bairro Alto 2013

1 comentário:

Ana Tapadas disse...

Um belíssimo texto, mas não posso deixar de referir que me encanta esta foto!

Beijinho grande