5 de dezembro de 2014

Sofreguidão

O meu estômago sustém fragilmente aquilo que lá dentro lhe meti apenas para me dar força suficiente para continuar a amar-te incondicionalmente. E para esperar - sobretudo para esperar. Não que olhes para trás nem para que voltes, mas para que um dia abra os olhos e tu estejas aqui inteiro, como se nunca tivesses ido [como se eu nunca te tivesse deixado ir]. E para que todos os livros com que atafulhei a minha casa sejam a cama, o sustento dos nossos corpos entregues aquilo que nunca conseguimos dissipar: paixão. Mais que o nosso amor, que esse alimenta-se solitário de um ar qualquer, a nossa paixão é agora um pedaço moribundo daquilo que já fomos e precisamos ser de novo. Reforço: não quero que voltes. Porque voltar implica trazer tudo o que nos destruiu, reviver pesadelos, assumi-los e resolvê-los. Não quero fazê-lo; não creio que consiga. Não quero perto de nós nada que nos possa arrastar em espiral para um buraco negro maior que aquele onde nos enfiámos há anos atrás. Quero só que venhas. Que estejas. Preciso de ti. O meu estômago sustém fragilmente aquilo que lá dentro lhe meti apenas para me dar força suficiente para continuar a amar-te. Quero que venhas, que fiques, que o mundo seja uma página de Herberto (dos peixes vermelhos, "do peso da camisa sobre a cadeira, 'tá a ver?!") - tu gostavas de recitar essas prosas comigo. Ríamos e chorávamos, tudo no mesmo chão compresso e frio, que íamos aquecendo no calor dos beijos. Tínhamos esse dom que não têm todos os amantes, porque o amor não é paixão e a paixão não é amor, mas nós tínhamos os dois ao mesmo tempo e às vezes um era maior que o outro, mas tudo cabia equilibradamente no Universo. Desde que foste embora a atmosfera perdeu o balanço, eu expiro mais do que respiro, sou como um peixe fora de água a tentar sobreviver, com as guelras a latejar, num espasmo infinito para me manter viva. Vou do frio ao calor em meros segundos, sofro de febres altas, tenho o peito do avesso, coração, artérias, pulmões para fora, eternamente sujeitos a infecções fatais. Esqueço-me de ser. O meu estômago sustém fragilmente aquilo que lá dentro lhe meti apenas para me dar força suficiente para continuar a amar-te incondicionalmente.


Palácio de Pombal, Bairro Alto, 2013

1 comentário:

Ana Tapadas disse...

Texto muito bom, com a paixão de sempre...
Trate de ser feliz e que a vida lhe sorria neste novo ano!

Beijo amigo