16 de outubro de 2013

Fossemos nós

Pareces sair enquanto vais ficando cada vez mais. Pareces longe quando te cruzas comigo de olhar ardente. Pareces ir no percalço das horas quando o que fazes é permanecer inerte na minha memória. Pareces do outro lado quando a noite se põe, mas deitas-te comigo nos lençóis cansados de recordações.
Pareces estar ainda na casa velha quando na verdade já te foste há muito. Pareces a luz do quarto, que está no entanto à escuras. Pareces um tropeço antigo nas escadas para o primeiro andar. Pareces vaguear na noite abafada de um qualquer verão numa rua que era nossa. Pareces um bilhete esquecido na mesa de cabeceira. Pareces o calor de um banho exausto. Pareces o resto do meu mundo. 
Fossemos nós tudo isto e parecíamos os dois. Fossemos nós a raiva que nos cabe no amor. Fossemos nós a Terra inteira e metade do Universo. Fossemos nós esses empurrões que pensamos dar um ao outro. Fossemos nós esse olhar a ferver...


Café do Monte, Graça 2013

3 comentários:

Ana Tapadas disse...

Belo texto, à moda «antiga»!

Desalento, eu? Não sou desse género. Sou cidadã do mundo...


Beijocas

Ana Tapadas disse...

Venho deixar um beijinho :)

vieira calado disse...

Gostei do texto.
Tem frases muito interessantes!
Beijinho!