23 de julho de 2014

Ironias

Decreta-se o luto no florir da Primavera. Porquê, porquê tanto esforço em prol do que não vale mais que um corpo e uma alma inteiros dados um ao outro em época de flores? E os tectos caem enquanto os olham os amantes e os gastam com amor exalado, dissipado na atmosfera quente e perversa. Lá fora cantam pássaros e florescem cores dos canteiros enquanto tudo apodrece cá dentro, entre quatro paredes amareladas pela respiração perigosa, intercalada por faltas de ar mais concretamente apelidadas de silêncios impermeáveis. Porquê se tudo morre na devassa noite que até podia ser serena, mas é terrivelmente caótica. O amor sobe e desce e prende-se às paredes do estômago, dá voltas e voltas e quando dou por nós estamos esteirados no chão frio com o peito mais rasgado que nunca. Olhamos os olhos um do outro para vermos este nada que afinal é tudo e vivemos no avesso destas emoções concretas e aterradoras que julgamos esquecidas, mas que sempre achamos quando nos baixamos os dois para apanhar qualquer coisa que se soltou do coração e se perdeu infinitamente na calçada de pedra, ou de cimento, ou na areia, ou no que for possível no momento em que cai. Somos vazios e cheios ao mesmo tempo e o destino é um paradoxo que nunca nos leva a bom porto. Quando percebemos a inutilidade desta dança frenética decidimos que o melhor é que se decrete o luto no florir da Primavera.


Cinema S.Jorge, 2013

1 comentário:

vieira calado disse...

Saudações poéticas!
beijinho para si!